Diabetes Melito Canina

Cadela obesa da raça Dachshund de aproximadamente 5 anos.

-  Introdução

O Diabetes Melito é um distúrbio endócrino comum em cães, onde na maioria dos casos é do tipo insulina-dependente, ou seja, a diabetes melito do tipo I. Nos humanos, esse tipo de diabetes é mais comum em crianças. A causa dessa doença em cães ainda não foi definida, mas com certeza é multifatorial. As predisposições genéticas, a destruição das células beta pancreáticas por autoimunidade, fatores ambientais como agentes infecciosos, pancreatite e obesidade são alguns fatores potenciais predisponentes.
As lesões patológicas mais comuns em cães diabéticos são relacionadas às células beta das ilhotas de Langerhans, no pâncreas, podendo apresentar uma redução no número e no tamanho dessas células. São esses tipos celulares que possuem a função de identificar um alto índice de glicose no sangue e liberar o hormônio Insulina. Se esse sistema está comprometido, não há uma liberação correta de Insulina causando Hiperglicemia (> 120mg/dL), o principal sintoma da Diabetes. 
Esquema do processo de liberação de Insulina pela célula beta pancreática: 


- O transportador de glicose GLUT 2 da célula beta pancreática possui uma particularidade, é um transportador de baixa afinidade pela glicose. Isso é importante porque é preciso ter altas concentrações de glicose no meio extracelular para o açúcar entrar na célula. Logo, quando ocorre hipoglicemia, não há entrada de glicose na célula. Em contrapartida, quando ocorre hiperglicemia, o transportador GLUT 2 desloca a glicose extracelular para o meio intracelular.
A partir do momento que a glicose está no meio intracelular, ela sofre uma reação de fosforilação pela enzima Hexokinase. Nessa reação ocorre a transferência de fosfato  do ATP para o carbono 6 da glicose, formando Glicose 6-fosfato. Essa, por sua vez, segue a via glicolítica formando duas moléculas de Piruvato, dois NADs reduzidos, duas moléculas de ATP e água.
Cada molécula de Piruvato sofre uma reação de descarboxilação oxidativa catalisada pelo Complexo Piruvato Desidrogenase, tendo como produto uma molécula de AcetilCoA, um NAD reduzido e um dióxido de carbono.
A AcetilCoA sofre as reações do Ciclo de Krebs gerando três moléculas de NAD reduzido, uma de FAD reduzido e uma molécula de GDP (energia equivalente ao ATP).
Todas as moléculas de NAD reduzido e FAD reduzido geradas nessas reações, vão ser oxidadas na Fosforilação Oxidativa, produzindo uma grande quantidade de ATP.
A alta concentração de ATP na célula beta pancreática inibe o canal potássio sensível ao ATP, que possui a função de deslocar o potássio para o meio extracelular. A partir do momento em que esse transportador é inibido, o íon potássio começa a acumular no meio intracelular, e como esse íon é um Cátion, ou seja, possui carga positiva, também haverá um acúmulo dessa carga nesse meio.
A diferença de potencial entre os lados externo e interno da membrana plasmática resulta em polarização da membrana O acúmulo de íon potássio (cátion)  no citoplasma induz a despolarização da membrana, levando a abertura de canais de cálcio voltagem-dependente localizados na membrana plasmática. Isso faz com que aumente a concentração de íons cálcio no meio intracelular, de modo estimular a fusão entre vesículas contendo Insulina e a membrana plasmática, promovendo a exocitose da Insulina e possibilitando um controle da glicemia. Logo, qualquer alteração no transportador GLUT 2 ou nos canais de cálcio voltagem-dependente podem afetar a liberação de Insulina pelas células beta pancreáticas.
A Diabetes Melito do tipo II, ou seja, insulina-independente, é extremamente rara em cães.
A Diabetes secundária ocorre em cães quando há administração de medicamentos que são Insulina-antagônicos (glicocorticóides, progestágenos) ou quando as cadelas estão no Diestro. Isso ocorre porque esses medicamentos são derivados de Colesterol ou de moléculas que podem são consideradas como combustíveis. Pode ocorrer no Diestro, porque é uma fase do ciclo menstrual da cadela onde há liberação aumentada do hormônio Progesterona, que por sua vez é sintetizado a partir do colesterol.
Se há aumento de moléculas que são derivadas de colesterol ou glicose, há um aumento da Glicemia, que faz ter uma liberação maior de Insulina no sangue. Se um animal for medicado por algum fármaco desse tipo por um longo período de tempo, vai sobrecarregar o pâncreas, porque aumenta a demanda de Insulina. Isso pode resultar numa diminuição no número de células beta, onde vai haver uma reduzida massa funcional dessas células, que vão garantir uma pequena tolerância aos carboidratos. Se o organismo do paciente não for resistente à Insulina (os receptores da insulina estiverem íntegros nas demais células), toda a insulina liberada vai ter uma resposta fisiológica adequada. Mas isso não garante que essas células pancreáticas vão ser capazes de secretar uma quantidade adequada de Insulina para manter a normoglicemia na presença de um insulino-antagonista.
O reconhecimento precoce e a correção do antagonismo à Insulina (interromper o tratamento com esses medicamentos insulino-antagônicos como por exemplo) podem restabelecer a normoglicemia sem a necessidade de uma insulinoterapia a longo prazo. A incapacidade de corrigir o antagonismo à Insulina pode resultar em uma perda progressiva das células beta pancreáticas, diminuindo ainda mais a liberação de Insulina no sangue, podendo desenvolver a Diabetes Melito insulino-dependente, ou seja, a do tipo I.

-  Fisiopatologia

A déficit na liberação de Insulina, apresenta várias manifestações clínicas, sendo algumas citadas abaixo:
- Diminuição da utilização de glicose sanguínea (podendo incluir aminoácidos e ácidos graxos)
- Acelerada Gliconeogênese
- Glicogenólise hepática
- Acúmulo de Glicose na circulação, causando hiperglicemia
Como a concentração de glicose no sangue aumenta, a capacidade das células renais de reabsorverem a glicose dos túbulos do filtrado glomerular é extrapolada, ou seja, o animal apresenta glicosúria, que nada mais é que excretar glicose pela urina. Em um indivíduo saudável, isso nunca irá acontecer, porque nos rins, ocorre a filtração do sangue, separando as excretas das moléculas importantes para o organismo, se uma dessas moléculas forem filtradas pelo glomérulo e chegarem ao túbulo renal, há mecanismos nos rins para reabsorver essa molécula importante e não excretá-la. A glicose é a principal fonte de energia do organismo, logo nunca é excretada por um indivíduo saudável.

-  Apresentação Clínica

  •        Predisposição

A maioria dos cães possuem entre 4 e 14 anos de idade quando a Diabetes Melito é diagnosticada, mas há um pico de prevalência entre 7 e 10 anos de idade. Também pode ocorrer em cães com idade inferior à 1 ano de idade, mas é incomum. A incidência em fêmeas é duas vezes maior que em machos. A predisposição genética é relevante, como também a predisposição racial. As raças onde há uma prevalência maior de Diabetes Melito são: Keeshonds, Pulis, Pinschers miniatura e Cairn Terriers; Outras raças como: Poodles, Dachshund, Schnauzers miniatura e Beagles também possuem um risco mais alto que as outras. Segue uma tabela apresentando algumas raças predispotentes:

Alto Risco
Baixo Risco
Schnauzer Standard e Miniatura
Pastor Alemão
Bichon Frisé
Collies
Spitz
Cocker Spaniel
Fox Terrier
Labrador Retriever
Poodle miniatura
Dobermann Pinscher
Samoieda
Golden Retriever
Cairn Terrier
Australian Shepherd

1 Análise do Veterinary Medical Database (VMDB), de 1970 e 1993. Os cães sem raça definida foram obtidos como padrão.

  •            Histórico

Todos os cães diabéticos possuem um histórico de polidipsia, poliúria, polifagia e perda de peso. Sendo que a poliúria e a polidipsia só se desenvolvem após a ocorrência de glicosúria.
Raramente um proprietário traz o animal para uma clínica veterinária quando o cão está bebendo muita água (polidipsia) ou urinando mais que o normal (poliúria), ainda mais quando o ambiente é propício para esse comportamento (áreas com temperatura muita alta; dia muito ensolarado). Ocasionalmente, o proprietário traz o animal quando ele apresenta uma cegueira com início súbito causada pela catarata ou por causa de um sintoma agudo causado pela acidose metabólica, como por exemplo vômito, letargia ou fraqueza. Esses sintomas são sinais de que a doença não está no seu período inicial. Isso ocorre, porque os sintomas inicias da Diabetes Melito podem passar despercebidos ou serem irrelevantes para os proprietários. O tempo para os sintomas iniciais se tornarem sintomas mais críticos, como a catarata ou uma progressiva cetonemia, é imprevisível, variando de dias a semanas.
Obter um histórico completo do animal é extremamente importante para identificar os transtornos concomitantes que quase sempre estão presentes no momento do diagnóstico. Além disso, juntamente com o tratamento desses transtornos, esse se torna um manejo correto dos animais diabéticos.

  •           Exame Físico

 Quando um animal com suspeita de Diabetes Melito é consultado, é imprescindível que o Médico veterinário faça um exame físico minucioso. Os achados podem variar em relação a presença e gravidade da acidose metabólica, do tempo em que o animal apresenta os sintomas iniciais (polidipsia, poliúria, polifagia) além de conter qualquer doença concomitante.
Quando não há cetoacidose, normalmente o exame físico apresenta conclusões clássicas, como por exemplo: O animal está obeso ou apresenta perda de peso (se a diabetes estiver prolongada), podendo apresentar letargia, pelos escassos, secos, quebradiços, sem brilho e com escamas (por causa da hiperqueratinose).
Quando um cão perde muito peso ao ponto de ficar caquético, pode-se levar em consideração a presença de outra doença concomitante além de Diabetes Melito, como por exemplo: Insuficiência pancreática exócrina.

-  Diagnóstico

Um diagnóstico de Diabetes Melito necessita da presença dos sintomas clínicos apropriados (PU/PD) associados a uma hiperglicemia, mesmo com o animal em jejum, e glicosúria.
Para uma confirmação rápida desses sintomas que não são visíveis, ou seja, que necessitam de um teste laboratorial, há no mercado aparelhos portáteis que determinam o valor da glicemia e outros que possuem tiras reagentes que detectam a presença de glicose na urina, facilitando o diagnóstico. Os testes laboratoriais também podem identificar a presença de corpos cetônicos na urina, indicando uma cetoacidose diabética (acidose metabólica). 
  •           Diagnóstico Diferencial

A presença de glicose na urina, também pode ocorrer quando há algum problema nos rins, onde não necessariamente o animal irá possuir Diabetes Melito. Quando há glicosúria renal geralmente não causa poliúria ou polidipsia, descartando essa possibilidade. Para um melhor entendimento dessa diferenciação, segue um esquema sobre fisiologia e anatomia do néfron:


- O sangue chega pela artéria arqueada, segue pela artéria aferente onde emite vários ramos que formam uma rede de pequenos capilares formando o glomérulo, que é envolto por um tecido epitelial formando uma cápsula (cápsula de Bowman). Esses capilares possuem pequenos furos em sua parede onde permite a passagem de plasma e qualquer molécula abaixo de 20.000 de peso molecular. Dessa maneira, o glomérulo atua como um filtro de sangue, onde permite a passagem de pequenas moléculas e impede a passagem de moléculas maiores. A glicose é uma molécula que consegue passar por esses pequenos furos, alcançando os túbulos renais. No entanto, em um animal saudável, não há glicose presente na urina, isso ocorre porque a glicose é reabsorvida por transporte ativo (com gasto de energia) pelas paredes dos túbulos renais. No caso de um cão diabético, com um alto índice glicêmico, os transportadores de glicose nas paredes dos túbulos renais não conseguem suprir a demanda de reabsorção dessa grande quantidade de glicose, portanto o animal irá apresentar glicosúria. No caso de uma doença renal, poderá haver algum problema nesses transportadores ou nos túbulos renais (como por exemplo, uma inflamação ou infecção) que impeça uma correta reabsorção de glicose.

  •           Testes Laboratoriais de Rotina

É necessário fazer uma avaliação clínico-patológica completa de rotina, uma vez que o diagnóstico de Diabetes Melito seja estabelecido. Isso é importante para que possa identificar qualquer problema em que esteja causando o Diabetes melito (como por exemplo: hiperadrenocorticismo), para identificar outra patologia que esteja ocorrendo por causa da Diabetes (ex: cistite bacteriana) ou achados que podem ser causados pelo terapia utilizada no controle dessa patologia.
Um avaliação clínica mínima de um animal com diabetes deve conter:
- Hemograma completo
- Bioquímica sérica
- Urinálise com cultura bacteriana
No caso de uma cadela não castrada, poderá haver a necessidade de avaliar a concentração sérica de progesterona, já que esse hormônio é sintetizado a partir do colesterol e o seu aumento sérico pode causar a diabetes melito induzida por progestágeno secundária ao hormônio do crescimento no diestro. Além disso, se a cadela apresentar corrimento vaginal ou um abdômen estendido, é recomendável fazer uma ultrassonografia abdominal para verificar se existem piometra, pancreatite, adrenomegalia e também anormalidades hepáticas ou no trato urinário.

-          Hemograma Completo:
Geralmente o hemograma completo de um animal com Diabetes melito descomplicada é normal, podendo apresentar uma pequena policitemia se o cão estiver desidratado.
Se houver pancreatite, haverá um aumento de glóbulos brancos, indicando um processo infeccioso e uma inflamação grave e consequentemente um aumento na leucocitose.

-         Bioquímica Sérica:
As alterações encontradas na bioquímica sérica, são relacionadas com o tempo de não tratamento dessa patologia e também se houver qualquer doença concomitante.
Um cão que só possui o Diabetes melito, sem qualquer outra doença concomitante, somente irá apresentar uma hiperglicemia e hipercolesterolemia. Já se houver uma alteração nas enzimas hepáticas (Alanina transaminase e Aspartato transaminase), poderá haver alguma lesão no fígado, nesse caso o mais provável seria uma Lipidose Hepática (acúmulo de gordura no fígado).
Se houver uma alteração na medida sérica de fosfatase alcalina, poderá levar em consideração a presença de hiperadrenocorticismo, ainda mais se identificar outros achados laboratoriais relacionados a essa patologia.
A uréia e creatinina sérica normalmente estão nos valores de referência na diabetes melito descomplicada. Se apresentarem uma alteração, será em função de uma insuficiência renal ou uma uremia pré-renal secundária à desidratação. Para diferenciar essas complicações é necessário avaliar a densidade da urina.
Obs.: A insuficiência renal causada pela glomeruloesclerose é um achado patológico relacionado com a hiperglicemia. Essa complicação é bem reconhecida em seres humanos, mas em cães diabéticos é incomum.
Os níveis de eletrólitos séricos e do parâmetro ácido-base são normais em cães com diabetes melito descomplicada.

-          Lipemia e Hiperlipidemia:
Os valores de lipemia e hiperlipidemia são altos em cães com diabetes melito não tratada.
Também há um aumento de triglicérides, colesterol, várias frações de lipoproteínas e ácidos graxos livres.
A hipertrigliceridemia (aumento de triacilglicerol no sangue) é decorrente do aumento de lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL) e do quilomícron, pois essas lipoproteínas possuem como principal função transportar lipídios para os tecidos.
- O quilomícron é produzido pelas células intestinais e é a lipoproteína com a densidade menor entre todas e possui a capacidade de transportar uma quantidade maior de triacilglicerol. Lipídios da dieta são incorporados no quilomícron que os transporta pela corrente sanguínea. Uma enzima sérica, a lipoproteína Lipase, degrada o triacilglicerol em ácidos graxos livres e boa parte desse produto vai para o tecido adiposo e muscular. Nesse processo, restará somente o quilomícron remanescente contendo proteína e colesterol.
- O VLDL é uma das maiores lipoproteínas, mas é menor do que o Quilomícron. É produzido no fígado e possui a função de transportar lipídios endógenos e colesterol para tecidos extra-hepáticos. É constituído por cerca de 50% de triacilglicerol, 40% de colesterol e fosfolipídios e 10% de proteína. Conforme os lipídios são distribuídos para os outros tecidos, o VLDL é convertido em LDL que possui a função de transportar o colesterol para outros tecidos. Após esse processo o VLDL e o LDL remanescentes retornam ao fígado.
O cão com Diabetes Melito possui um alto índice de quilomícrons no sangue, onde a enzima lipoproteína lipase não consegue catalisar todas as reações. Logo irá conter um acúmulo de quilomícrons na corrente sanguínea, fazendo com que o plasma fique turvo.
Obs.: Em seres humanos a lipoproteína LDL estão aumentadas e a lipoproteína HDL possui um nível baixo. Com isso, aumenta as chances de ocorrer uma doença vascular aterosclerótica e de doenças coronárias. Essas são as maiores complicações ao longo prazo em humanos. No caso dos animais domésticos, raramente estão presentes.
Esses transtornos lipídicos podem ser revertidos com a administração de Insulina juntamente com uma terapia dietética.

-          Urinálise:
Quando o paciente possui Diabetes Melito, o exame de urina apresenta anormalidades como:
-Glicosúria
-Cetonúria
-Proteinúria
-Bacteriúria,, associada ou não com piúria (pus) e hematúria (sangue).
Os cães com Diabetes Melito descomplicada não possui cetonúria, somente glicosúria. Porém a urina pode apresentar uma pequena fração de cetona em animais que não possuem qualquer outra doença concomitante.
Se o paciente apresentar proteinúria, é um sinal de infecção do trato urinário ou uma lesão glomerular. Esse estado é de elevada incidência em cães com Diabetes Melito. Logo, o sedimento urinário deve ser cuidadosamente inspecionado para alterações compatíveis com infecção, como por exemplo a presença de glóbulos brancos, glóbulos vermelhos, proteínas e bactérias.
Portanto, é aconselhável a fazer uma cistocentese antepúbica de forma asséptica (Punção na bexiga) [mostrar foto] para coletar a urina e submeter a uma cultura bacteriana e a testes de sensibilidade em todos os cães com o diagnóstico de Diabetes Melito estabelecido.
- Segue abaixo um quadro com as principais anomalias encontradas nos exames laboratoriais de um cão diabético:


Hemograma completo:
Normal
Leucocitose (pancreatite ou infecção presente)

Bioquímica:
Hiperglicemia Hipercolesterolemia
Hipertrigliceridemia
Aumento ALT e FA

Urinálise:
Densidade urinária >1,025
Glicosúria
Cetonúria (Cetoacidose)
Proteinúria
Bacteriúria


-  Pancreatite

Há uma alta prevalência de pancreatite em cães diabéticos. Com isso, é necessário fazer uma análise do sangue para avaliar a sua presença, principalmente quando não é possível realizar uma ultrassonografia. A determinação sérica de Lipase e a imunorreatividade da tripsina (TLI) são mais recomendadas. Cães que possuem pancreatite, haverá um aumento da lipase sérica e da imurreatividade da tripsina (TLI). Mas esse aumento não correlaciona diretamente com a presença ou ausência de pancreatite.
As concentrações séricas das enzimas pancreáticas podem estar aumentadas quando há um processo inflamatório crônico ou leve no pâncreas confirmado histologicamente. Porém mesmo o animal apresentando um pâncreas histologicamente normal, também pode apresentar um aumento nessas enzimas. Para ter um diagnóstico definitivo é preciso associar os resultados obtidos no exame de sangue juntamente com o exame físico e os achados adicionais dos testes laboratoriais.
A determinação da TLI também é utilizada para auxiliar no diagnóstico de Insuficiência pancreática exócrina, uma complicação rara em cães com Diabetes Melito que se desenvolve a partir de uma pancreatite crônica. O sinal clínico de polifagia, o animal muito magro e apresentando dificuldade em se estabilizar com a insulino-terapia evidencia a suspeita dessa patologia.

-  Concentração de Insulina

Determinar os níveis séricos de Insulina no animal com o diagnóstico de Diabetes Melito, não é dado como rotina. Em razão da maioria dos cães serem diagnosticados com Diabetes Melito Insulino-dependente, e a concentração sérica de Insulina está na metade inferior da normalidade ou até mesmo indetectável. Porém a determinação dos níveis séricos não apresenta uma boa relação custo-benefício. No caso de Diabetes Melito secundária, ou em cadelas no diestro, é importante fazer a dosagem sérica de Insulina, para verificar a presença de uma população significativa de células beta funcionantes.

-  Tratamento

Demonstração de como aplicar Insulina subcutânea em um cão.

Quando o diagnóstico de Diabetes Melito é estabelecido, deve iniciar o tratamento com Insulina. O manejo do animal também deve ser modificado, alterando a dieta e o exercício físico, além de tratar qualquer outro distúrbio concomitante.
  •           Tipos de Insulina

A Insulina comercial é classificada perante a prontidão, duração e intensidade da ação após a administração subcutânea. As mais usadas em um manejo ao longo prazo dos cães diabéticos são:
- Isófana (NPH - Neutral protamine Hagedorn [Protamina neutra Hagedorn])
- Lenta
- Ultralenta
- Protamina Zinco (PZI, protamine zinc insulin)
As insulinas NPH e PZI contêm proteína do peixe, protamina e zinco para prolongar o efeito, o tempo e a duração da absorção da insulina. No caso das Insulinas lentas, não contém proteínas diferentes e possui uma concentração maior de cristais de zinco, onde afeta aumentando o tempo de absorção no local da aplicação subcutânea. Logo, quanto maior o cristal, mais lenta será a absorção e consequentemente maior será a duração do efeito. A insulina lenta é considerada uma insulina de ação intermediária e possui concentração plasmática aumentada durante 14h ou mais após uma administração subcutânea.
- Insulina Listro e Insulina Asparte: São insulinas de ação rápida, pois são absorvidas rapidamente, porém possui uma duração curta. São usadas em humanos diabéticos e o papel em cães diabéticos ainda não foi determinado.
- Insulina Glargina: É uma insulina de ação prolongada. Possui um ponto isoelétrico de pH 7,0, o que a torna mais solúvel em um valor de pH ácido do que em um pH mais fisiológico, ou seja, no valor de pH subcutâneo do organismo ela se ioniza, adquirindo uma carga, o que impede de ser absorvida pelas membranas celulares. Logo, há a formação de microprecipitados no local da aplicação, onde vai liberando pequenas quantidades dessa insulina (a fração não ionizada), onde consegue atravessar a membrana e ser absorvida. Esse processo garante uma liberação constante e consequentemente uma constância da concentração sérica da Insulina glargina. Em humanos é durante 24h, já em cães são de 10  a 16h. Porém o uso desse tipo de insulina não é a primeira escolha do Médico veterinário para o tratamento de Diabetes Melito em cães, só é administrada quando o uso de uma insulina lenta tradicional é um problema.

-          Espécies de Origem:
Além de escolher qual tipo de Insulina deve ser administrada no cão diabético, também é preciso optar por qual será a origem dessa insulina.
A Insulina proveniente de suínos possui os mesmos aminoácidos, organizados na mesma ordem dos caninos, ou seja, são idênticas. A insulina Humana difere da suína apenas um aminoácido já a Insulina bovina por dois aminoácidos. Portanto, a insulina adequada para a aplicação sem a produção de anticorpos nos caninos, é a Insulina suína. A insulina humana recombinante também pode ser administrada. A insulina bovina é antigênica em cães diabéticos e estimula a formação de anticorpos anti-insulina em 40 a 65% dos casos. (Feldman et al., 1983; Haines, 1986; Harb-Hauser et al., 1998; Davison et al., 2003a)
No entanto, a antigenicidade pode não ser necessariamente uma desvantagem. Se aplicar uma Insulina antigênica em um animal diabético, pode ajudar a prolongar a duração da ação da Insulina. Como por exemplo, tratar cães diabéticos com Insulina bovina. Esse processo é terapeuticamente útil, mas ainda não foi comprovado cientificamente.
Porém, em animais nessa situação (onde foi tratado por uma Insulina não compatível) a presença de anticorpos anti-insulina pode resultar em um mau controle glicêmico, necessidade de ajuste posológico ou em casos mais graves apresentar uma resistência à Insulina.

-          Manuseio:
A insulina precisa ficar em uma temperatura constante, não pode ser congelada ou aquecida. Embora a "temperatura ambiente" não inative a insulina, o proprietário é orientado a armazenar o frasco de insulina na porta da geladeira. A troca do recipiente de insulina deve ser feito todo mês para evitar problemas com a perda de atividade ou esterilidade. Porém, se manter conservada adequadamente, não há prova clinica de que irá ter uma perda de atividade se não trocar o recipiente.
A insulina pode ser diluída para uma administração em cães de pequeno porte, como ainda não há estudos publicados avaliando o período de vida útil de uma insulina diluída, é preciso trocá-la a cada 4 a 8 semanas. A insulina deve ser diluída apenas em água ou solução salina normal. Contudo, a eficácia da insulina pode ser diminuída e a farmacocinética pode ser amplamente alterada, esse problema é corrigido quando um novo frasco é utilizado.
Em relação ao local de aplicação, a maioria dos proprietários realizam o procedimento de aplicar insulina subcutânea sem dificuldade, se forem instruídos adequadamente. A aplicação crônica de insulina (em longo prazo) pode causar uma leve inflamação no local da aplicação e fibrose, por isso é preciso realizar um rodízio dos locais de aplicação.
A dor no local da aplicação pode ocorrer devido a uma técnica inadequada de aplicação ou pelo local de onde ela foi administrada por via subcutânea, mas raramente por uma reação alérgica.

-  Tratamento inicial
Quando um animal dá entrada na clínica com suspeita de Diabetes Melito, após a confirmação do diagnóstico, é preciso utilizar uma Insulina de ação intermediária pois é a primeira escolha para estabelecer o controle da glicemia em cães diabéticos. Nesses casos a insulina lenta é preferida em relação a NPH, pois possui um efeito de longa duração. Em casos de emergência, ou seja, quando a glicemia está muito alta a NPH pode ser utilizada para obter uma normoglicemia rapidamente.
A aplicação da insulina lenta, deve ser administrada duas vezes ao dia, uma vez que a dose inicial é relativamente baixa.

-  Terapia Dietética


Comparação de uma cadela obesa com uma em seu peso ideal.


O ajuste da dieta deve ser iniciado o quanto antes possível para prevenir a obesidade e manter o conteúdo calórico das refeições. A correção da dieta e o aumento do teor de fibras, são as medidas mais benéficas que podem ser tomadas para melhorar o controle da glicemia.
  •          Redução do peso

Essa medida é altamente importante para uma boa tolerância a insulina. Isso ocorre porque quando um cão é obeso, pode provocar uma resistência a insulina afetando a eficácia da insulinoterapia. Se um cão diabético é obeso, é necessário restringir a ingestão calórica, fazer uma alimentação de baixo teor de gorduras e exercícios físicos para ter uma redução de peso bem-sucedida.
  •           Alto teor de fibras na dieta

A dieta de um cão diabético contendo um alto teor de fibras pode melhorar o controle da glicemia. Isso ocorre porque as fibras formam uma viscosidade na luz do intestino, dificultando a absorção de glicose exógena. As fibras solúveis mais viscosas são mais eficazes que as insolúveis menos viscoses, já há no mercado rações com esses tipos de fibras.
Porém essa dieta pode gerar complicações, citadas no quadro abaixo:

Fibras Insolúveis
Fibras solúveis
Excessiva frequência de defecação, constipação (prisão de ventre) e obstipação (fezes duras e ressecadas).
Fezes pastosas e líquidas e excessiva flatulência.
Hipoglicemia 1 a 2 semanas após o aumento do teor de fibras na dieta.
Hipoglicemia 1 a 2 semanas após o aumento do teor de fibras da dieta.
Relutância ou recusa para ingerir a dieta
Relutância ou recusa para ingerir a dieta.

  •         Exercício Físico

A atividade física é fundamental para um bom controle glicêmico e um manejo correto de um cão diabético. Pois auxilia na perda de peso e ajuda a eliminar a resistência à insulina.
O exercício físico aumenta o fluxo sanguíneo fazendo com que haja uma melhor absorção da insulina administrada e consequentemente uma redução da glicemia.
Porém, é preciso tomar cuidado para não executar uma atividade extenuante para que não haja uma hipoglicemia. Se o cão apresentar hipoglicemia mesmo com um exercício leve, é aconselhável diminuir a dose insulina no dia da atividade física. Para um correto ajuste da dose, primeiramente há uma redução de 50% e os ajustes vão ser finalizados subjetivamente.

-  Controle dos problemas concomitantes

As doenças concomitantes como, por exemplo, neoplasia, infecção, distúrbio hormonal ou inflamação podem causar a Diabetes Melito. Na maioria dos casos, se essas doenças forem tratadas, a diabetes Melito irá regredir e a glicemia voltaria ao normal.
A administração de drogas antagônicas a insulina também podem causar Diabetes Melito, interferindo no metabolismo da insulina ou causando um defeito na célula beta pancreática ou resultar em um número reduzido de receptores de insulina na membrana plasmática das células e até alterar a afinidade desses receptores com a insulina.
A maioria desses problemas podem ser facilmente revertidos com uma administração adequada de insulina.
A identificação da causa da resistência a insulina que é complicado, pois pode ter uma causa visível como obesidade ou administração de fármacos antagonistas a insulina como também situações que necessitam de uma extensa avaliação diagnóstica, onde seria preciso exames complementares como por exemplo a ultrassonografia para identificar o problema.

-  Hospitalização

Quando um cão é diagnosticado com Diabetes Melito, é preciso que fiquem internados durante 24 a 48h para finalizar a avaliação diagnóstico e iniciar a insulinoterapia.
Durante a internação, a glicemia é mensurada logo de início e depois é repetida ao longo de 3,6 e 9h depois. Isso é necessário para identificar se há uma hipoglicemia causada por uma dose elevada de insulina, pois um animal pode ser mais sensível que outro. Após o ajuste ideal da dose de insulina, onde muitas vezes é subjetiva, é preciso estabilizar os transtornos metabólicos induzidos pela doença (PU, PD, PF). Também é necessário adaptar o cão a uma nova dieta.

-  Cuidados em casa

Logo na primeira visita com o animal ainda internado, o Médico veterinário pode ensinar ao proprietário como administrar insulina no cão, para que em casa possa haver um controle glicêmico contínuo.
Após a liberação, o animal precisa ser avaliado semanalmente, além de o exame físico incluir exames laboratoriais para estabelecer se há um controle eficaz da doença. O animal leva cerca de um mês para ter um controle satisfatório da glicemia, e ao longo desse período poderá haver ajustes nas doses de insulina.
A cada consulta semanal, é necessário ter uma avaliação subjetiva do proprietário em relação a ingestão de água, débito urinário e a saúde geral do animal.
Se o cão apresentar uma incapacidade para atingir o controle glicêmico, deverá haver um aumento gradual da dose de insulina até estabilizá-lo. Se mesmo assim ocorrer alguma resistência, é necessário fazer uma investigação para determinar a razão da falha do tratamento. Muitos fatores podem afetar o controle glicêmico:
-Imprudência na ingestão calórica e na dieta;
-Quantidade de exercício;
-Estresse;
-Alguma inflamação ou infecção não determinada anteriormente;
Como consequência, a dose de insulina necessária para um bom controle glicêmico muda com o tempo. Porém, para facilitar os cuidados em casa, é preciso passar uma dose fixa para o proprietário administrar no animal, a mudança da dose só deve ser feita após consultar o Médico Veterinário.

-  Considerações Finais

Monitoração a longo prazo: Complicações crônicas da diabetes como por exemplo doença arterial coronariana são incomuns em cães. Portanto não é necessário estabelecer um controle fino da glicemia, ou seja, bem perto do normal. A maioria dos proprietários está satisfeita e os cães saudáveis e assintomáticos se a glicemia for mantida em torno de 90 a 270mg/dL.
O mais importante para controlar a glicemia de um cão diabético a longo prazo é a opinião subjetiva do proprietário sobre a gravidade dos sintomas clínicos (poliúria, polidipsia, polifagia), a saúde geral do animal, o exame físico e a estabilidade do peso corporal.
Avaliação de pacientes agressivos e excitados: A situação de estresse aumenta o valor da glicemia. Logo, se o animal está em um ambiente estranho e com pessoas que ele não reconhece, ele pode ficar estressado e o Médico veterinário medir uma glicemia que pode ser considerada aumentada, porém o animal não necessariamente possa apresentar Diabetes Melito.
No caso de um cão diabético, que possui um estresse muito alto quando está em uma consulta, seria mais válido o Médico veterinário fazer uma consulta em domicílio para ter uma medição correta da glicemia para evitar erros na administração de Insulina.

Catarata: Cães diabéticos que apresentam catarata é muito comum. A formação da catarata ocorre porque há um acúmulo de açúcares, onde são agentes hidrofílicos que causam um influxo de água do cristalino, causando um inchaço e ruptura das fibras do cristalino e desenvolvendo a catarata. A formação da catarata é irreversível. Porém se ocorrer cegueira, ela pode ser curada cirurgicamente com a retirada do cristalino anormal. (cerca de 75% a 80% restabelecem a visão)

Hipoglicemia: É uma complicação comum do tratamento com Insulina. Pode ocorrer devido a uma alta dose de insulina ou por exercícios extenuantes. Os mecanismos fisiológicos de contrarregulação (secreção de glucagon como por exemplo) podem demorar a recompor a glicemia e o animal pode sofrer de letargia, fraqueza, convulsões e até entrar em coma. Portanto, é muito importante determinar uma dose correta de Insulina.

Efeito Somogyi: É um fenômeno caracterizado por ocorrer um aumento da glicemia por causa de uma alta dose de Insulina, ou seja, quando uma alta dose de insulina é administrada, ocorre um decaimento da glicemia causando uma hipoglicemia, se o organismo agir rápido, começará a ter um mecanismo compensatório (gliconeogênese, glicogenólise), que irá aumentar a glicemia acima do que já estava aumentada antes da administração da Insulina.

Prognóstico
O prognóstico é muito relativo, pois depende mais do compromisso do proprietário para tratar a enfermidade, da subjetividade do animal (sensível ou não a insulina) e da presença ou não de doenças concomitantes.
A maioria dos cães diabéticos vivem cerca de 3 anos a partir do diagnóstico, mas isso também é relativo, pois a maioria dos animais já apresentam idade elevada quando são diagnosticados. Há uma taxa consideravelmente elevada de mortalidade durante os primeiros 6 meses de tratamento da doença, por causa das doenças concomitantes que podem ser fatais ou incontroláveis, ainda mais evidentes em pacientes idosos (como por exemplo cetoacidose, pancreatite aguda e insuficiência renal). Os cães que sobrevivem os 6 primeiros meses podem viver por mais 5 anos caso haja a devida atenção dos proprietários, avaliações regulares do Médico Veterinário e boa comunicação cliente-veterinário.
A maioria dos cães diabéticos pode ter vida relativamente normal se forem bem tratados

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